[Episode 1] – “Civilization”

Kanashi, com seu olhar frio, cruzava as ruas de Nyender City. Durante a primavera, a fama de cidade cor-de-rosa se fazia clara, já que os ipês estavam completamente florescidos, colorindo as ruas da cidade. Pokémons corriam de um lado para o outro, completamente envolvidos pela primavera. O jogo de sedução de alguns monstrinhos era único, mas mesmo assim Kanashi nem ao menos desviava o olhar do caminho a sua frente.

O vento frio, último vestígio do inverno, bagunçava os cabelos alvos com facilidade e fazia Kanashi puxar o casaco mais para cima, protegendo o pescoço. Os cidadãos locais passavam pelo aspirante como se ele não representasse nada, exatamente como faziam com os gladiadores. Talvez fosse melhor assim, afinal, dessa forma, não daria falsas esperanças ao jovem de que esse mundo poderia ser diferente e de que nem todos eram malvados. A realidade era muito clara e, tanto Wingull quanto Nikki estavam bem vivos em sua mente para lembrá-lo dessa verdade.

Ao chegar no prédio cinzento, o aspirante passava reto pela estátua, pressionando as unhas contra o interior de sua mão, em uma tentativa de não esboçar nenhuma outra reação. Sabia que se falasse ou demonstrasse abertamente o que sentia, poderia acabar até mesmo sendo preso. Cadetes não eram muito tolerantes e tudo o que o garoto queria era pegar sua licença e sair o mais rápido daquele prédio.

Achar o andar dos testes, para sorte de Kanashi, foi incrivelmente fácil. Algumas plaquinhas indicativas e lá estava ele, na sala de espera. Estranhamente o lugar estava vazio, contrariando a fama de inúmeros aspirantes aguardando sua vez de realizar as provas. Nem mesmo a secretária de Angélica estava em seu lugar. Relutante, o jovem bateu na porta e, com o silêncio, a abriu. A sala estava igual ao resto do corredor: completamente deserta. Um som chamava a atenção de Kanashi e, fechando a porta rapidamente, se virou a tempo de ver quatro cadetes descendo as escadas de forma apressada. Eles pareciam cansados e apressados, o que intrigava ainda mais Kanashi.

Kanashi estranhava o ambiente vazio e, após fechar a porta rapidamente quando ouviu o som de passos, tentou obter alguma informação com os cadetes que desciam as escadas de forma apressada. Os oficiais, no entanto, não pararam para dar qualquer informação, correndo para as ruas da cidade e entrando em uma viatura, que partia deixando marcas de pneu no asfalto. Toda a situação intrigava ainda mais o aspirante a gladiador. A busca por uma rota de fuga tornou-se desnecessária e o curioso garoto desceu as escadas, em busca de outra pessoa que pudesse lhe dar alguma informação.

- Os testes ainda começam naquele andar. O substituto da comandante deverá chegar a qualquer momento para verificar se há alguém.

A informação da mulher confirmava a localização e, sem escolhas, Kanashi retornava para o andar superior. Haviam algumas revistas na sala que talvez pudesse distrair o rapaz enquanto esperava pelo substituto da comandante. A revista mais de cima falava do nascimento de Layla, a filha caçula de Angélica, porém não mostrava nenhuma foto da criança. PokéNews admitia não ter tido acesso ainda ao bebê e prometia publicar as fotos logo que as conseguisse. Mexendo nas revistas mais abaixo, Kanashi percebia que todas eram de fofocas, para sua infelicidade.

O relógio na parede indicava a passagem de tempo e Kaine sentia as costas começarem a doer após algumas horas sentado na desconfortável cadeira.

Ainda sem entender o motivo da Comandante precisar de um substituto, Kanashi largava as revistas que falavam do bebê de uma Angélica, a qual o jovem aspirante não tinha a menor ideia de quem era. Entediado, o rapaz ficou mirando a parede, enquanto aguardava o dito substituto chegar. Na concepção do jovem, o tempo gasto aguardando o oficial chegar era totalmente inútil e nada acrescentaria em sua vida.

O som de cadetes subindo e descendo as escadas com pressa já não lhe chamava a atenção. Cansado, o jovem achava mais interessante mirar o telhado a ver o mais novo motivo de movimentação cadete. No entanto, quando uma sombra passou a sua frente em direção a sala no final do corredor, sala esta que pertencia a comandante, Kanashi sentou-se apressado. O corpo já estava um pouco dolorido após as horas de espera e protestou pelo movimento repentino, entretanto esse protesto foi ignorado pelo jovem.

Dentro da sala o jovem avistava um oficial que carregava cinco estrelas no braço, indicando o alto rank do cadete. Ao lado do homem, um Persian que emanava uma aura tão negra e suja quando o oficial. Kanashi não precisava ouvir ou conhecer aquele cadete para saber que ele era pior até do que aqueles que o atacaram há poucos anos. Wingull e Nikki, mais uma vez, surgiam em sua mente com força e o jovem enfiava as unhas contra a palma da mão. A dor lhe servia de lembrança para permanecer quieto.

- Classe.

A voz do oficial que nem ao menos se apresentara era dura e gélida. O gato ainda permanecia ao lado do oficial, mirando o garoto com desprezo e sem consideração. Na sala, a porta fechada estampava o nome de Angélica Thompson, o mesmo nome que o jovem de alvos cabelos havia lido na capa das revistas.

Sem falar nada perante as palavras de Kanashi, Cornélios saiu da sala, forçando o aspirante a segui-lo. Persian mantinha-se sempre do lado direito do homem, andando com a cabeça erguida e subjugando os pokémons pelos quais passava com o olhar. Ver aquele Pokémon despertava sentimentos em Kanashi que não poderiam ser demonstrados naquele momento e, a julgar pelo olhar de desprezo que o felino lhe dirigiu, ele já sabia disso.

- Diga o pokémon.

A voz de Cornélios exigiu a atenção de Kanashi que, estranhando a situação, franziu o cenho. O capitão queria saber qual seria seu inicial e o jovem começava a refletir sobre o fato. Pelos boatos que ouvira dizer e, visto que não via nenhum dos monstrinhos disponíveis pelo corredor que cruzavam, o aspirante só podia acreditar que Cornélios mandaria prepararem o pokémon para o final do teste.

O jovem aspirante mirou um pouco o chão, lembrando-se de Wingull. Como poderia escolher um pokémon sem conhecer as personalidades antes? Parado em frente um balcão, havia um livro aberto com a imagem dos iniciais disponíveis para gladiadores e seus nomes do lado. Aquilo não era o suficiente para se escolher um pokémon... Além do mais, Kanashi tentava entender o motivo de escolher um pokémon, já que não teria acesso a ele até o final do teste.

Kanashi logo dizia o pokémon que gostaria de receber sem se prolongar. Após perceber facilmente que o cadete não era de muitas palavras, o aspirante optava por também dar respostas diretas. A mente do jovem ainda tentava fugir para Wingull e a vontade de tê-lo ao lado era indescritível, no entanto tinha de se manter focado no momento. A esperança de só receber seu inicial e já se retirar com a licença foram completamente frustradas quando, após receber uma esfera de um atendente, o Comandante Substituto retomou a caminhada, obrigando Kanashi a segui-lo.

Uma vez do lado de fora do prédio da Academia, as dúvidas começavam a preencher ainda com mais força a mente do jovem aspirante. Ele não tinha muitas informações sobre como o teste era, mas sabia que era sempre dentro da Academia, exceto alguns poucos cadetes que eram avaliados em campo. Então, como aspirante a Gladiador, Kanashi realmente não entendia o motivo dele ser levado para o lado de fora, muito menos o motivo de estar sendo guiado para o Ginásio Cadete.

O prédio cinzento parecia resistente e apresentava o brasão Cadete próximo de sua porta principal. No interior o jovem de cabelos alvos pode ver piscinas, barras, pista de corrida, pesos e, obviamente, um campo de batalha. Cornélios simplesmente ergueu a esfera vermelha, invocando o pokémon de seu interior, e os olhos de Kanashi brilharam. Quando o raio sumiu, em um dos cantos do campo de batalha estava um Treecko de coloração incomum. Seu tom de verde diferenciado e sua cauda vermelha lhe davam um brilho que tornava impossível desviar os olhos do pokémon que, possivelmente, seria o seu.

- Mostre-me o que sabe.

A ordem, no entanto, o trazia de volta a realidade. Do outro lado do campo, Cornélios aguardava com os braços cruzados. Seu Persian sentado do seu lado no campo de batalha, em frente ao pequeno Treecko. Uma luta? Seria esse o teste que o Comandante Substituto desejava? Mas como um Treecko recém escolhido poderia competir contra um Persian de um dos cadetes mais poderosos da Academia?

Kanashi se maravilhava com o ginásio e mais ainda com o Treecko que se revelava a sua frente, questionando-se se o pokémon seria o que chamam de Shiny. Toda a fascinação, no entanto, morria ao ouvir as palavras do cadete e, de repente, uma incredibilidade negativa se apossava do aspirante. Lutar contra um Persian de um capitão? Era surreal demais para se acreditar... Contudo, como o homem não parecia ser do tipo que brincava, Kanashi logo deixava de admirar aquele que poderia se tornar seu pokémon para comandá-lo no que era obviamente uma batalha perdida.

Treecko saltava e Persian somente olhava os olhos do pokémon grass brilharem, sem se mexer. O felino parecia não se importar com os movimentos de seu suposto adversário, assim como a defesa reduzida parecia ser completamente ignorada. Treecko exibia sua velocidade, contornando o campo e tentando confundir seu oponente, quando, em um momento que considerou oportuno, saltou com seu Pound. O felino, exibindo uma velocidade descomunal, simplesmente se virou, interceptando o ataque com sua cauda e, com a força da colisão, lançando Treecko exatamente para onde Kanashi o havia chamado: próximo de si.

Cornélios não comandava seu felino e tampouco analisava a batalha. Seus olhos estavam fixos em Kanashi, nas expressões do jovem e em sua linguagem corporal. O homem parecia querer ver além do que o aspirante demonstrava através da batalha e, ver o grass ser lançado tão longe após ser atingido somente pela cauda do felino, tornava difícil para o jovem de alvos cabelos manter a expressão neutra. Cenas de Wingull e de outro Persian se mesclavam em sua mente. A poeira erguida pelo Treecko se confundia com a poeira cinza que se ergueu quando Wingull caiu.

Os olhos de Kanashi brilhavam, demonstrando tristeza. As lembranças de Wingull lutando para permanecerem em sua mente e, para piorar, Cornélios parecia ver isso. Quando o jovem ergueu os olhos, viu que o capitão o mirava diretamente, sem perder cada direção para a qual o aspirante direcionava o olhar. Essa analise talvez o pressionasse até mesmo mais do que o oponente que enfrentava durante aquele teste que parecia ser irracional.

Treecko se erguia e saltava, mergulhando com o Leer em direção ao Persian. Novamente o felino não recebia nenhum comando, aceitando os danos do golpe de suporte sem sair do lugar. Quando, porém, o Pound estava a um passo de acertá-lo, o gato saltou para trás, desviando com perfeição. O ataque do grass atingiu o chão, criando uma pequena cratera. De frente para o felino, Treecko simplesmente arregalou os olhos quando viu o Swift surgir. O ataque estrelado, no entanto, não era mirado no adversário, mas no chão a sua frente. A força do impacto criou uma cratera muito maior e o ar se deslocou com tanta força que lançou o Grass para trás mais uma vez.

Treecko exibia uma visão maravilhosa e reflexos satisfatórios. Kanashi, contudo, analisava, ora satisfeito pelo poder do Pound ampliando pela gravidade, ora preocupado com o fato de Persian começar a usar ataques reais. Um golpe e seu possível futuro Treecko seria nocauteado facilmente. No entanto o felino parecia não querer derrubar o adversário, mas sim pressioná-lo a uma situação crítica, a uma situação de desespero para o aspirante. O que Cornélios poderia querer com isso?

Sem nenhum recurso para usufruir e com o objetivo de pelo menos acertar o felino, Kanashi comandava Treccko, cada vez mais convicto de que o que estava em análise era ele mesmo e não suas habilidades ou o comando sobre seu futuro pokémon. Cornélios, desde que o teste começara, não dissera um único comando ao seu Persian, simplesmente deixando-o agir livremente e o felino parecia se divertir com o que se assemelhava a uma brincadeira para ele.

Treecko, sem pestanejar, saltava em direção ao oponente, preparando seu ataque mais uma vez. O falso Pound era carregado. Persian parecia somente observar, deixando, como sempre, para o último momento. A aproximação de Trecko era cada vez maior e o grass começava a acreditar que o felino não desviaria, preparando-se para usar o ataque real dessa vez. Porém, enquanto mirava o felino nos olhos em busca do próximo movimento dele, mirou também o Hypnosis, caindo desacordado aos pés do gato.

Persian deito-se no chão, colocando a pata sobre o corpo do menor e mirando Kanashi em claro desafio. A mandíbula aberta e as presas próximas do rosto do pokémon Shiny. O aspirante sabia que o felino agora brincava com ele e não com o Pokémon. Uma clara ameaça. Cornélios, no entanto, seguia quieto e sério. Sua expressão séria e gelada analisavam o aspirante no momento de maior tensão naquela falsa batalha.

Kanashi se recusava a soltar as lágrimas que queimavam atrás de seus olhos. Estava em teste e não se permitiria fraquejar. As memórias de Wingull lhe queimavam a memória, o medo por não saber o destino de seu companheiro lhe feria mais do que qualquer outro golpe, no entanto não era a hora para se permitir ter tais emoções. Treecko estava a sua frente e precisava de sua ajuda. Desejando ao menos tocar no Persian, Kanashi gritava palavras de incentivo, tentando despertar o pokémon grass, sem obter sucesso no entanto.

Um raio vermelho chamou a atenção do aspirante e este viu curioso ao capitão recolher o pokémon grama. Persian, sem seu brinquedo, retornava para perto do homem mais velho. O felino parecia sério como sempre, mirando o aspirante ainda com desprezo. O jovem de alvos cabelos, contudo, tentava entender o movimento do homem. O capitão mirava o garoto sem emoção alguma no olhar, como se ainda o analisasse. Kanashi, por sua vez, sentia o coração batendo com força, sem saber se fora aprovado ou reprovado. O desejo de saber o que se passava na mente do capitão naquele momento o atormentando.

- Cadete, leve-o para a tatuagem. - Cornélios ordenou a um oficial menor que aguardava próximo a porta.
- Senhor?
- Um ano não fará diferença para este aqui. Deixarei que os ministros terminem o serviço e pouparei o tempo de nossa Comandante.

Kanashi pressionava as unhas contra a palma da mão. As palavras do capitão eram claras. Ele fora aprovado. Mas não por Cornélios acreditar em seu potencial... Não. O capitão não queria era perturbar sua comandante com o teste dele novamente no ano seguinte. Nunca, em sua vida, Kanashi havia sido tão desmerecido. Ouvira histórias de que a Comandante original pelo menos era um pouco mais educada... Kanashi via o outro oficial receber a pokébola de Treecko e chamá-lo enquanto Cornélios saia do ambiente com seu Persian sem dizer mais uma única palavra.

Se sentindo humilhado e desmerecido, Kanashi seguia o outro cadete até o prédio da Academia mais uma vez. Em nenhum momento voltou a ver Cornélios e, pelo que ouviu no corredor, o capitão já estaria testando outro aspirante. Aquele teste ainda parecia incoerente e completamente sem sentido para o jovem Gladiador. A tensão fazia seus músculos começarem a protestar, mas o jovem não conseguia pensar nisso. Sua mente divagava entre Wingull, Treecko, seus sonhos e as palavras de Cornélios. Sua determinação parecia se fortalecer naquele momento.

- Lugar da tatuagem?

Levantando os olhos, o jovem avistou um oficial com a máquina de tatuar em mãos. Indicando com a mão, Kanashi voltava aos seus pensamentos, não demonstrando o desconforto que era ter uma marca registrada em sua pele. O sangue se misturava a tinta, porém em pouco menos de uma hora, a tatuagem estava feita e devidamente plastificada. Uma pomada pequena lhe era entregue junto com instruções para lavar a tatuagem somente com água na próxima semana e, sempre depois do banho, passar a pomada e cobri-la com papel filme a fim de evitar infecções.

De posse das instruções e ignorando a sensação de ter levado um soco na área, Kanashi voltava a seguir para a última área. Na nova sala, alguns dados pessoais eram lançados no sistema, bem como suas digitais eram colhidas, uma foto de seus dentes e uma amostra de sangue para mapeamento do DNA. Todas as formas de identificá-lo caso ele se tornasse um problema no futuro. Pouco depois uma ficha era impressa e já plastificada: a licença. Kanashi a recebia, assim como a pokébola do Treecko que usara no teste.

- A saída fica por lá. - A atendente que fizera o cadastro indicara, liberando Kanashi. Agora ele era um Gladiador licenciado.