#1 ~ A consagração do pelegrino.

Euron Marshall deixava sua vida para trás, procurando resposta sobre o que havia acontecido aquela vez em sua casa. Um ataque giratinista não seria esquecido tão facilmente, muito menos o motivo, que permanecia um mistério para o jovem aspirante as artes de Arceus. Apesar da vontade de querer saber o que aconteceu, o perdão ainda reinava no coração do menino, que ainda se sentia ligado com os Pokémons, a natureza e a humanidade. Aquilo fazia com que não perdessem a fé tão cedo...

O rapaz chegava a Grung, uma cidade grande, enorme, com arranha-céus imensos e cheio de estradas, pontes e elevadores. Olhando pelo vidro, era possível ver espaços sem absolutamente nada, além de uma bela queda, para logo depois avistar um belo parque. Olhando para baixo, dava para se ver lojas pequenas, escadas, elevadores, casas pequenas e alguns varais com roupa pendurada. Olhando para cima, casas mais elegantes e lojas maiores. Era de se esperar que os mais bem afortunados ocupassem os andares mais iluminados pelo sol, enquanto os outros ficassem com os andares mais escuros, úmidos e sujos da estranha e exótica cidade.

Grung havia pessoas muito bem hospitaleiras, diferentes da grande maioria das cidades de Shinki. Talvez aquele ambiente mais aperto acabasse forçado os seus moradores a se especializarem na área do convívio e aquilo afetava todos. A mescla de arranha-céus e jardins deixava a cidade linda e muito fascinante. Encontrar a Igreja de Arceus não foi difícil. O sol estava forte. O fim da primavera deixava tudo mais bonito. Casais de Ledyba’s passavam voando em namoro, enquanto uma família de Pidgeys passeavam na cidade. Um Abra dormia ao longe em uma árvore, sendo possível ver de longe uma bolha formando em seu nariz.

A Igreja de Arceus era enorme, conservando uma mistura temporal de arquiteturas. Era feito de pedras, com portas grandes da mais nobre madeira e com figuras na frente. Dentro era muito mais surpreendente ainda. Colunas sustentavam a estrutura. Diversos bancos do mais confortáveis possível estavam ali, todos acolchoados, em cor vinho. No altar, um vitral enorme, com a imagem de Arceus na frente. Logo abaixo, um pequeno altar sobre o altar, onde uma taça de vidro ficava. Havia uma porta, não tão exuberante quanto a da entrada, que levava para o fundo da igreja, onde os seguidores e Pokémons feridos passavam a noite.

A igreja estava vazia. Não tinha culto e parecia que ninguém queria estar na igreja naquela manhã. Mas uma criaturinha parecia chamar a atenção qualquer um. Aproximado-se mais para o meio da igreja, no altar, sobre um tapete vermelho que parecia separar o cálice de cristal dos bancos, um pequeno Natu parecia agoniado. Sua cara de choro era comovente. Ele tentava limpar o altar com um pano, parecia ter sujado de terra, ou algo do tipo, mas era bem desastrado e não conseguia segurar o pano com suas curtas patinhas e limpar o tapete. Ele mal conseguia ficar no ar, por isso não tinha uma posição boa o suficiente para fazê-lo desempenhar uma tarefa bem feita. Ele estava ao ponto de desistir...

Não demorou muito para Euron avançar até o altar e tentar ajudar o Pokémon. Natu parecia incrivelmente aliviado com tanta bondade. Por conta da estrutura, o aspirante a arceusiano parecia muito melhor em seu trabalho do que o próprio Pokémon. Natu dava pulinhos de alegria e assim não tinha ações a mais para poder agradecer o rapaz pelo trabalho. Apesar do local ter ficado molhado por conta do pano encharcado, Euron manteve o tapete limpo da sujeira que Natu possivelmente fez. Não demorou muito para que uma doce voz chamasse a atenção do rapaz, enquanto a ave pegava o pano, desaparecendo do altar com habilidades paranormais.

Atrás do aspirante, uma mulher muito bonita se aproximava. Sua face era como de um anjo, pálida, limpa e com serenidade. Seus grandes olhos atraiam a atenção de qualquer um, assim como seus longos cabelos azulados, bem exóticos. Sua roupa era comportada, no entanto, tinha umas características mais sensuais do que o normal, ou talvez seja impressão. Seu corpo bem definido e com roupas correspondentes ao tamanho, a mulher parecia ser responsável pelo templo.


Marie era a responsável pela igreja. Aparentava-se muito nova para tal cargo, mas com certeza os seguidores de alto nível sabiam o que fazia quando deu tal posto para ela. Não sorria, mas se mostrava bondosa com suas palavras. Poderia ser considerada tímida (?).

- Aspirante...

A madre não ria do que o rapaz falava, mas o tom de sua voz parecia bem agraciado e parecia que ela gostava da decisão do rapaz em ajudar o natu. O passarinho ficava rubro de longe, onde ficava no alto de uma porta, observando a madre do templo. A feição da mulher não mudava. A sabedoria reinava na sua fronte, mas o amor estava em suas palavras. Embora o chão estivesse limpo e a mulher segurasse na mão estendida de Euron com suas duas mãos, o aspirante a seguidor parecia esperar algo para prosseguir.

- É de muito agrado a sua escolha. – dizia andando até o banco do templo mais próximo, agindo como se quisesse que o rapaz a seguisse. No banco, ela sentava e estendia o braço, para que o rapaz sentasse junto com ela. – A vida de um seguidor é cercada de lutas. Tanto físicas, como espirituais. Mas a recompensa maior é o amor que possamos transmitir para os outros. “Pureza é força, a inocência é adorno. O bom coração é a madre de todo o ser Dual.” – finalizava citando uma palavra das escrituras.

O templo vazio e grande poderia ser travesso. Natu de longe observava, apenas no foco de visão de Euron. O vento e o frio pareciam reinar naquele ambiente de quatro paredes. Quando alguma cerimônia acontecia, costumava ter muitas pessoas, que com o calor humano, preenchia e deixava a temperatura agradável.

- Mas me diga, por que quer se tornar um seguidor. Vejo em você um bom coração. Uma pessoa gentil e muito amigável. Mas deve ter outro motivo, não?

A voz de Euron produzia um curto e baixo eco na igreja. O local, vazio, parecia solitário e precisando de um pouco de brilho, se não fosse pelas duas almas no primeiro banco da frente – e a presença de Natu, claro. O rapaz falava da sua dedicação e o motivo para tal. A madre Consuelo apenas ouvia. Após o término da fala, a mulher fazia uma pausa. Era tensa, mas quando ela começava a falar, com sua voz suave, talvez cercada de amor, parecia que tudo estava bem.

- Sinto muito pela sua família. Sei que às vezes não entendemos o porquê que muitas coisas acontecem, mas elas acontecem. Temos que escolher mudar o meio por conta dessas mudanças e não sermos mudados por conta do meio.

As palavras, ricas de sabedoria e amor, entravam, mais uma vez, em divergência com a expressão da mulher. Se alguém olhasse de longe, julgaria a madre Marie Consuelo como uma mulher triste e até que já perdeu as esperanças. Mas para o aspirante, que estava frente a frente com ela, percebia que ela era rica em sabedoria e amor. Uma seguidora nata, capaz de dá a vida para ajudar ao próximo.

- Escute, Euron, por mais que eu quisesse aceitar todo bom seguidor, que eu julgue apto a passar, apenas pelo coração, eu não posso ser desobediente ao meu superior. Temos um processo para podermos te aceitar aqui conosco. – fazia mais uma pausa, como se procurasse palavras adequadas para poder usar – Esse processo é muito espiritual, e há quem diga que exija muito do participante em primeira instância.

Nesse momento, Natu já havia desaparecido de novo. Euron não sabia, mas pensava que o Pokémon estivesse ali em algum canto, observando a conversa do rapaz com a madre local. O templo permanecia vazio. O grande vitral de Arceus, logo no altar, parecia assistir Euron e a madre com atenção.

- O seu teste é guiado a princípio por mim, mas no final será você e Arceus. Por isso você deve se certificar que sua sensibilidade espiritual esteja bem equilibrada. Primeiro teremos o que chamamos de confessionário. Você deve confessar os seus erros e demonstrar arrependimento por eles. Depois, vamos para uma busca espiritual. Após isso, você é mandado para as ruas dessa cidade, atrás de algum sinal de Arceus, onde o grande ser dual irá lhe guiar em uma missão. Por fim, você trará o seu relatório e poderemos ter o seu batismo como seguidor. Está pronto?

Euron aceitava o teste. Parecia que se tratava de algo muito espiritual e que ele teria que ter discernimento para saber o que era coisa do mundo e o que era coisa do sobrenatural. Natu mudava de posição sempre que podia, usando Teleport. Queria observar o rapaz que havia o ajudado no começo. A madre tinha uma voz acolhedora, como se dissesse que ele poderia confiar nela (e realmente poderia!). A mulher ficava feliz com a aceitação do jovem ali e assim se erguia, convidando o aspirante a segui-la.

O templo era amplo e sem ninguém, o mísero passo ecoava pelo local. Parecia bem maior por dentro do que por fora. Os vitrais todos retratando cenas da grande guerra e de Arceus. Havia outros lendários também, mas principalmente Arceus. Um quadro perto de uma ala reservada mostrava Arceus, com todas as placas de tipo ao seu redor, usando o seu golpe assinatura, Judgment, sobre o mundo já destruído pelo homem. A imagem era épica e cheia de reflexão. Na sala dentro, era pequena, com uma divisória. De um lado, Euron se via em um chão de madeira, diferente do quadricular chão de mármore do templo, que parecia lembrar um tabuleiro de xadrez. Era escuro, com grades na parede a frente.

Quando Marie Consuelo entrou na parte detrás das grades de madeira, Euron só via a silhueta, reconhecendo a mulher pela sombra e pela voz. Um barulhinho fora da sala indicava que Natu havia reaparecido com seu Teleport, mas após uma voz suave de repreensão da madre, ele sumia, deixando a mulher e o rapaz a sós.

- Pois bem ,aqui é o confessionário, Euron. Aqui você poderá abrir seu coração e confessar aquilo que te prende a esse mundo. Só verdadeiramente podemos aceitar o amor de Arceus se deixarmos esse mundo. Permita-me fazer uma prece. “Arceus, graças te dou pela vida desse jovem. Ele está aqui querendo um caminho contigo, uma aliança que você deseja fazer com aqueles que te buscam de todo coração. Não permita que nada de mal suceda em sua jornada e nesse momento traga à memória aquilo que ele guardou só para assim, mas também traga a sua memória àquilo que lhe dá esperança.”- a voz melódica fazia daquelas simples as mais bonitas. Marie era experiente e com certeza era espiritualmente madura. – Bem Euron, agora é com você. Confesse e abra seu coração para o seu pecado. Aquilo que só você sabe e ninguém mais sabe... Se desprenda...

Naquele lugar, parecia que toda pressão do mundo sumia, juntamente com as palavras finais da madre. Parecia que aquela prece havia aberto um caminho infinito de possibilidades. O que ele faria ali? Confessaria!

A silhueta da madre continuava estática enquanto Euron confessava, a sensação era quase como se ele estivesse falando sozinho, um momento entre ele, Arceus e ninguém mais. Euron sabia que a madre estava ali como uma mera mensageira, ele não deveria se conter em revelar até mesmo o mais sórdido de seus segredos. O poder de Arceus era real, e ali ele era representado por Marie Consuelo, qualquer detalhe que Euron estivesse deixando passar, tentando esconder da madre provavelmente seria responsável pela refusa do jovem na ordem.

-Arceus age de formas misteriosas. Ter medo não é um pecado, mas sim espalhá-lo. Arceus não espera que você fique e tente resolver todas situações sozinho caso não tenha aptidão para determinada tarefa. A fuga é justificada quando a causa é justa, seria a sua causa justa? - a madre recitava alguma frases, terminando com uma pergunta que fizesse Euron refletir.

O rapaz sabia que sua causa de fuga não era uma justa perante Arceus, ele havia abandonado sua mãe. Mesmo que as chances fossem quase nulas, aquele ele era um pecado horrendo, deixar para trás a mulher que sempre fizera de tudo para ele. Não havia como dizer o que aconteceria se Euron tivesse ficado na sua casa naquele dia e tentasse ajudar sua progenitora, mas era certo que só havia uma coisa que Euron podia fazer agora, se arrepender de seus erros.

-Ser egoísta, por si só é uma característica inaceitável dentro da ordem dos que espalham as palavras de Arceus, aqueles que além de egoístas são falsos, possuem as almas extremamente sujas, precisando urgentemente de um guia para que possa salvá-las. É uma tarefa árdua, recuperar uma alma tão perdida quanto essa que você descreve, ainda assim tu se diz regenerado. Não seria tua confiança e orgulho, apenas uma falseta para conseguir novamente atingir seu objetivo? - novamente a madre fazia a mesma coisa, emitia algumas palavras de conhecimento seguidas de perguntas que levassem ao rapaz a refletir o real motivo de estar ali.

Euro a esse ponto já não se sentia mais sozinho com Arceus, ele sentia como se todo o mundo estivesse ali, observando-o o julgando-o. A madre levava os sentimentos do rapaz ao extremo. O que realmente o separava de mais um pecador e uma pessoa que estivesse apta a passar em frente a palavra de Arceus? Euron se dizia restaurado, mas com base em que o rapaz poderia afirmar tal coisa?

-Sinto que ainda há muita angústia em seu coração, não tenha medo. Se abra perante Arceus para que ele possa iluminá-lo.

Para uma simples confissão, definitivamente aquilo estava exigindo mais que o esperado. Normalmente em confissões os padres ou madres apenas escutavam seus seguidores e davam-lhe o seu perdão, entretanto essa deveria ser a confissão da vida do rapaz, todos seus pecados que cometera até ali precisavam ser lavados caso quisesse seguir em frente. A madre não poderia deixar passar um detalhe sequer, era necessário garantir que Euron estivesse de corpo e alma limpa para se adentrar na ordem.

-Você fala de justiça, mas cria escusas para justificar seus atos, acha mesmo que foi justo para aqueles que abandonou? Realmente acredita que tenha feito tudo que podia naquele dia. Lembre-se todos nós cometemos erros, mas erros podem ser perdoados, só que para que isso acontece antes precisamos aceitá-los. - a madre dizia de forma cortês suas palavras, ainda assim elas pareciam ser incrivelmente pesadas, como se ele esperasse ver mais arrependimento da parte da rapaz.

-Seu orgulho e confiança não estão nos atos que você pratica, mas sim em sua cabeça - o tom de voz calmo da madre contradizia o ambiente pesado que suas palavras traziam - Não quero lhe ofender, e perdoe-me se o fizer, mas não acha que se considerar regenerado e apto para servir Arceus seja um tanto ousado de sua parte? Sempre devemos acreditar em nós mesmos, mas isso deve ser feito sem nunca perder a humildade. Mais uma vez não quero que se sinta ofendido, mas se tivesse realmente preparado qual o sentido de ter me dito isto, não estaria tentando compensar algo que esconde? - uma breve pausa constrangedora era feita, mas antes que o rapaz pudesse dizer qualquer coisa a madre tornava a falar - Sinto por ter divagado, a questão é, ainda sinto que tenha algo não tenha me falado. Lembre-se, não estou aqui para tentar impedi-lo de entrar na ordem, muito menso acho que alguém mal intencionado tentaria fazê-lo, apenas anseio em limpar totalmente seu coração antes que posso prosseguir no percurso. - a madre indicava desconfiança sobre as palavras de Euron, ainda assim suas últimas palavras haviam sido extremamente reconfortantes.