XII - O Regresso

O trio mirava Asura com certa desconfiança, mas Carlos parecia perceber que o outro enfrentaria algum fantasma do passado e respeitava sua vontade de fazer isso sozinho, logo desejando boa sorte para o outro. Kenjiro era o que dava mais trabalho, fazendo inúmeras perguntas com seu comportamento infantil. Julia também se despedia de sua forma amistosa, ameaçando matar o Vigarista caso ele morresse antes deles derrotarem Luciano.

Asura sorria para o grupo enquanto os via descer rua abaixo. Quando eles sumiram do alcance de seus olhos, o sorriso também desapareceu e o olhar se voltou para o outro lado, na mesma direção em que vira seu pai andando.

Com o coração apertado, o Vigarista passou a seguir o mais velho, cuja morte conduzira seu caminho por muito tempo. Como ele estava vivo? Seria somente um sósia? As dolorosas lembranças chegavam com força. O som de tiros e de gritos enquanto ele fugia dos homens que atacam sua família a mando do fazendeiro que queria ampliar suas terras. Junto com essas lembranças, surgia o rosto da primeira mulher por quem se apaixonou verdadeiramente, bem como o sangue dela em suas mãos.

Finalmente separado de sua trupe, Asura agora partia em direção ao seu suposto pai para resolver a situação de uma vez.

Diversos pensamentos vinham a mente do rapaz, era difícil acreditar que seu pai pudesse estar vivo, ainda assim essa era uma situação que Asura sabia que jamais se perdoaria caso deixasse passar em claro.

O suposto pai seguia caminhando pelas movimentadas ruas de Twister, para sorte de Asura, o tamanho do homem e suas roupas simplórias faziam ser difícil perdê-lo de vista. O homem aparentemente não escutava os gritos de seu filho, não era para menos, cada vez mais eles entravam em ruas movimentadas.

Aos poucos enquanto ia seguindo seu pai, Asura podia ter mais certeza de que não se tratava de um sósia, todas as características batiam, até mesmo o menor dos detalhes condiziam com os que Asura se lembrava de seu velho.

Por mais que Asura tentasse se aproximar, parecia que ele sempre se mantinha a mesma distância. Sempre um imprevisto em seu caminho o impedia de alcançar seu pai, ora a multidão travava seu avanço, ora Asura perdia ele momentaneamente de vista.

Finalmente, após alguns minutos de perseguição o velho virou em um beco, Asura agora tinha a chance de confrontá-lo. Chegando na entrada do beco o vigarista podia ver o velho mais ao fundo, remexendo em uma lata de lixo. O velho parecia não ter ciência da presença de Asura ali, ele logo tirava uma caixa de pizza molhada da lixeira e pegava um pedaço mordido dali, começando a comê-lo. Não havia como ter dúvidas, aquele senhor era exatamente igual seu pai, porém alguns bons anos mais velho e desgastado.

Asura não pensava duas quando via seu pai, ele sabia que se dependesse dele largaria tudo para cuidar de seu velho. Ainda assim a situação era muito súbita, muito recente e por fim muito incrível. Asura ainda tinha bastante perguntas a fazer ao ser progenitor, mas era difícil manter a compostura em uma situação como essas, o que levou Asura a simplesmente gaguejar a palavra pai.

O velho parecia confuso, ele olhava em direção a Asura ainda segurando o lixo, mas logo largava-o e começava a lacrimejar.

-Asura? É você mesmo meu filho? Não posso acreditar como está grande. - o velho então olhava para o próprio corpo, como se estivesse envergonhado pela situação a qual se encontrava, então se punha a chorar - Sua mãe... Ela não conseguiu... Eu não pude... Eu sinto muito.

Apesar de não deixar claro, definitivamente o velho se referia ao massacre que ocorreu quando Asura era pequeno.

O reencontro mexia bastante com a mente do vigarista. Rever seu pai em sua frente, depois de tanto tempo parecia ser um presente vindo dos céus para Asura. Seus olhos se enchiam de lágrimas enquanto envolvia os braços no corpo de seu velho senhor. O homem mais velho não sabia reagir. Estava tão impressionado quanto seu filho e demorou para aceitar que o garotinho da zona rural havia crescido e se tornado já um homem.

O velho abraçava. Aquele aperto era seguido de fortes emoções. O mais velho tão abalado, soluçava, enquanto engolia em choro. Não estava mais na sua forma mais saudável. Era mais velho, mais magro do que Asura lembrava. Tinha feições muito castigadas pelo tempo. No fim, quando se separavam, o pai tocava no rosto do filho. O gladiador sentia aquela mão tremida acariciar o seu rosto, como quem tocasse em uma assombração, para tentar distinguir da verdade.

- Asura... – engolia em seco antes de continuar – Eu achei que estava morto esse tempo todo... N-no massacre, eu achei que tinha perdido tudo... Eu deferia ter voltado para me certificar... Fui um medroso... Um covarde... Me perdoe, meu filho. M-me perdoe....

Os soluços começavam a corta a voz do velho. Esse não sabia que Asura havia fugido do massacre há tempos atrás. Era uma dor muito forte para o senhor de idade aguentar. Já tinha os seus 50 anos, uma vida mal vivida e um filho que só descobrira agora que estava vivo... Enquanto isso, a nova família de Asura já deveria estar na estação de trem.

Off: Boa sorte da próxima vez XD
Desculpe a demora. Estou de luto pelo meu pc ç.ç

A emoção corria solta naquele lugar. O velho homem não tinha muitas palavras para poder expressar seu sentimento, mas tinha uma face sofrida e, no momento, chorosa. Asura era compreensivo e diante de toda sua trajetória de vida, sabia reconhecer como seu pai era e é importante para si. Agora, só faltava o mais novo cuidar de seu pai. Esse era o desejo de seu coração.

- Filho...

O sorriso bobo surgia no rosto do mais velho, enquanto Asura voltava para onde prometia: a estação de trem, onde a sua trupe se encontrava. Asura parecia grudado em seu velho. Era confortante para ele apenas ficar ao lado. Twister parecia ainda não ter acordado. Pela cidade funcionar até altas horas da madrugada, o amanhecer era mais pesado, embora ainda assim houvesse alguns lugares e até cassinos abertos.

O senhor de idade observava tudo com cuidado. Como se tivesse medo daqueles prédios enormes e pontiagudos ou até automóveis que buzina e passam em alta velocidade. Era compreensível, até, afinal, ele sempre foi e sempre será um homem do campo.

A estação de trem ficava no centro da cidade das luzes. Era um subsolo, bem estruturado com bloquinhos que sustentavam e formavam uma arquitetura resistente. O movimento ali era pouco, embora estivesse acabado de desembarcar um trem. O barulho maior vinha do trio que se encontrava em um banquinho logo após a entrada.

Julia se encontrava jogada no banco, de qualquer maneira, mascando um chiclete e fazendo bolas, tentando ignorar seus outros parceiros. Carlos estava sentado ao lado, de modo bem elegante e comportado e recitava para Kenjiro os motivos por não fazer algazarra ali. Esse último se encontrava em pé, dançando no nada, mesmo sem haver música. O pai de Asura pareceu achar bem estranho a atitude do grupo...

Off: hahaha Te compreendo XD

A princípio, o homem se assustou ao saber que o trio da baderna na estação de trem eram a nova família de Asura. O mais velho esperava pessoas... Pessoas menos agitadas, para falar a verdade. O mais velho erguia a mão e logo Kenjiro fazia questão de pegar e balança-la agitadamente como se fosse um brinquedo. Era energético, ainda cedo, e nem tinha tomado café.

- Prazer, sou Kenjiro. Kenjiro Dolabella. Mas pode chamar só de Kenjiro.

- Iai. – Julia levantava os dois dedos em forma de “v” como cumprimento ao pai de Asura, como se perdesse a vontade de continuar a conversa, ou tivesse entediada.

- Pai, você nunca tinha dito nada de seu pai, tinha? – Carlos começava a questionar. Seu olhar preocupado já era normal para todos, então ninguém se importou com seus comentários.

- Oh, tio... Espero que você não mandou a gente aqui para a estação para passar o tempo. – Julia cortava Carlos, chamando a atenção de Asura – Lembra que ainda temos um compromisso daqui um dia e algumas horas, não é? E que eu mal dormir essa noite, estou quebra e com vontade de reclamar um pouco.

- Ué, não mudou muita coisa... – o comentário de Kenjiro o fez ser alvo de Julia momentaneamente, apenas o suficiente para o loiro erguer os braços para cima como quem dissesse “não está aqui quem falou” e movesse vagarosamente para trás de Carlos, que tinha muito espaço para esconder o mais “novo”.

Luciano ainda estava por ai, esperando uma briga acirrada que iria acontecer, enquanto o pai de Asura parecia bem perdido na conversa do grupo. A humildade do homem parecia ser testada, enquanto o olhar da trupe se encaravam. Julia continuava de mal humor, enquanto esticava os braços e tentava alongar a coluna. A estação de trem ainda se encontrava relativamente vazia e o sono ainda assolava os vigaristas.

Todos pareciam não se importar muito com o novo membro da família de Asura. O mais velho parecia um pouco assustado. Era um homem humilde e não se importava muito com grandes algazarras. Julia estava ansiosa, cansada e querendo a cabeça de alguém. Carlos pensativo e Kenjiro... Bem, Kenjiro estava explorando suas forças nasais com seu mindinho, como quem tivesse algo diferente para fazer.

- Er... Filho – o olhar do homem era temeroso ao ver o dinheiro na mão de Asura. – Desculpe te envergonhar, mas... Eu acho que eu não sei bem como entrar em um hotel... Olhe para mim, vestido desse jeito serei expulso, não?

A voz do mais velho era temerosa, enquanto ele tentava explicar a situação. Era verdadeiramente um senhor humilde antes, que tinha algumas poucas posses, e agora, com nenhuma posse, era mais ainda.

- Tudo bem, Asura. – Carlos rompia o silêncio. – Você pode ir acompanhar seu pai até o hotel, depois de fazer o que tinha que fazer aqui e nós te esperamos no aeroporto. Já tenho uma tática em mente de como prosseguir o treinamento sem sermos impedidos por alguém ou por um cadete qualquer.

- Wow! Hora do treino... Mas to com forme. – Kenjiro gritava.

- Passamos em uma padaria no caminho e levamos alguma coisa para comer, tio. – Julia tocava no ombro do gladiador, sendo bastante compreensiva com ele e o pai dele. Na verdade, o trio estava de coração aberto para deixar o pai do vigarista longe dos assuntos deles e perto de seu filho...

As duas famílias pareciam aturar a presença da outra. Não de modo tão agressivo, muito pelo contrário. Carlos era o único que se sentia incomodado pela falta de informações, mas não iria constranger Asura nem seu pai por conta disso. Kenjiro não se importava com muita coisa e Julia só desejava a cabeça de Luciano em uma bandeja de prata. No fim, o gladiador deixava os seus amigos para levar o senhor para um hotel.

A conversa vinha e ia no meio da rua. Era tanta coisa que o vigarista tinha para conversar que o mais velho mal falava nada, apenas ouvia o que a sua prole tinha para contar. Ele ficava assustado pela vida de gladiador que Asura estava levando, mas não se incomodou com nada, apenas ouvia e prestava a atenção como se fosse a maior história da vida. Ele perdeu o crescimento de seu garoto e queria compensar o tempo que esteve longe por conta de sua covardia de não querer voltar para verificar se tinha alguém bem.

Twister sempre fora uma cidade movimentada. Carros iam e vinham e parecia que a cidade luz nunca dormia. Passava das oito da manhã e o mais velho parecia atencioso no que o gladiador contava. Era certo que Asura não teve a melhor noite de sono de sua vida, mas nada disso iria tirar a alegria daquele reencontro.

- Parece que você passou por algumas aventuras, né, filho? – o mais velho comentava sorrindo – Parece um pouco cansado, porque não me dá sua mochila para que eu leve. Precisa se cuidar também...

O mais velho dizia e já estendia a mão para segurar a mochila de Asura, que realmente estava lotada de itens, pelúcias, chaveiros entre outras coisas. O mais velho, aparentemente, só queria ajudar...

- Filho, posso não ter a melhor aparência, mas eu trabalho na roça há muito tempo.

A fala mansa e humilde, carregada de um semi-sorriso do velho, deixava tudo com mais humor. O homem caminhava pelas ruas da cidade luz ao lado do filho. Prestava atenção em tudo em sua volta. Ele olhava para Asura como quem via uma relíquia rara, que se perdeu há muitos anos e foi encontrada recentemente. E era isso que Asura realmente era. Outra coisa que era fácil notar, era a atenção do mais velho sobre toda aquela rua, que ia e vinha carros, alguns em uma velocidade exacerbada. Ele ainda não tinha se acostumado a viver em cidade grande.

- Filho, como funciona esse negócio de hotel. – a pergunta do mais velho era sincera. Ele não tinha muito conhecimento como se proceder em determinados locais e tudo isso só fazia pensar por onde o senhor de idade já viveu nesses anos...

Mesmo com a negativa de Asura de deixar seu pai o ajudar, o velho parecia mais curioso com o sistema de hotéis. Parecia que o mais velho não tinha tanta experiência em lugares como aqueles. Algumas pessoas passam uma eternidade apenas vendo como algumas outras pessoas se comportam em determinadas áreas da sociedade, sem experimentar algumas coisas. Já no hotel, o prédio enorme deixava o pai de Asura mais sem ar. Nunca tinha entrado em edifícios como aquele. Era tudo muito novo.

No hotel, o olhar julgador era presente entre algumas pessoas. As roupas do pai do gladiador não eram das melhores, até estavam bem suja em algumas partes. Mesmo assim o jovem gladiador seguia com o mais velho até a recepção, onde uma mulher de cabelos curtos e super educada atendia eles.

- Posso ajudar?

Naquele exato momento, o hotel parecia bem movimentado. A mulher, que atendia todos ali, olhava para o senhor simples ao lado de Asura de pé até a cabeça. Asura ouvia ela engolir em seco. Tentava observar com cautela aquela situação e parecia um pouco desconfortável. Ela olhava para o seu computador e tentava pensar em algo. O gladiador sabia que era uma desculpa.

- Não temos quartos disponíveis no momento. Gostaria de passar no fim da tarde? Até lá teremos alguma coisa, quem sabe...

A mulher falava as palavras quase que como ensaiadas. No momento, talvez encontrar alguém no estado do senhor Sychi não fosse de interesse para um hotel como aquele. O pai de Asura se sentia desconfortável naquele momento.

- Tudo bem, filho. Assim podemos passar o tempo juntos. Nem estou cansado mesmo... O que você iria fazer com seus amigos? Será que posso ajudar?

Parecia que o mais velho queria ajudar de alguma maneira. Talvez recompensar o tempo perdido. Ele queria fazer algo, quase que como necessidade. Ele queria ser útil para algo, e não queria lembrar que era um covarde...

O constrangimento de seu pai era algo que o jovem gladiador queria evitar. O seu pai já tinha passado por muita coisa na vida e mais uma forma de confusão não era o melhor tratamento que Asura queria enfrentar. Diante do acontecido, o rapaz saia do hotel com o homem mais velho e lá explicava a situação para o senhor de idade. O mais velho pensava no que era dito. Parecia bem reflexivo diante do que lhe era exposto.

- Não seria melhor chamar os cadetes?

Era uma pergunta simples e humilde. Mal sabia o pai de Asura que os senhores da lei não se importavam com coisas tão simples e seria apenas uma denúncia que não daria em nada no final. O homem estava quieto, pensativo e esperando uma afirmação mais direto do seu filho.

- Filho, se esse cara é tão ruim assim, não é perigoso para você? Você e seus amigos podem se ferir, afinal, ele parece fazer o que quer e não mede esforços para isso...

A preocupação do pai crescia aos poucos. Asura tinha um dever de sua palavra com Julia, mas os olhos de preocupação do seu genitor eram alarmantes. A vida de um agricultor era bem diferente da de um gladiador. Fora isso, a dor no pescoço do gladiador era visível, uma vez que tinha dormido muito mal na última noite.

- Você parece machucado, aconteceu alguma coisa que eu não saiba?