01| A procura

Ao falar o que queria, o exagerado homem se prontificou a preparar o seu pedido. Enquanto aguardava para o prato, estava atento ao que acontecia em minha volta. Com olhares sutis, observava a movimentação da rua e dos outros clientes; a maioria era gente comum, que vinha comer alguma coisa após a pausa no trabalho.

Eis então que uma voz grave soou por minhas costas. Não virei, fingi que não escutei nada, tentando agir com naturalidade. Após dizer o que queria, o homem sentou-se em um dos lugares vazios. Pelo traje que usava, a postura arrogante e o pokémon que trazia consigo, só poderia se tratar de um cadete.

Das vezes que olhei como quem não queria nada para o homem, reparei que seu felino não parava de me encarar. O pokémon parecia arisco, mostrando suas garras e exibindo um olhar ameaçador. Era como se ele soubesse quem eu era... Teriam os pokémons instintos tão aguçados? Não era à toa que aquele era escolhido como pokémon oficial dos cadetes.

Concentrei meu olhar no dono do estabelecimento e o chamei. Não poderia dar muita bandeira, as coisas estavam ficando mais difíceis a cada minuto que passava.

– Por favor, poderia me informar onde fica o banheiro? – Perguntei.

O garçom levou o pedido do cadete. Era como se eles tivessem prioridade ou coisa assim, acostumados a sempre terem alguém os bajulando. O Meowth não tirava os olhos de mim, o que me deixava cada vez mais preocupado. E se aquele homem resolvesse seguir os instintos do seu parceiro e me atacar? Sem um pokémon para me defender nem uma ordem por trás, a vinda a essa cidade poderá ter sido meu último destino.

Ao direcionar meu olhar pare frente, percebi que o guardanapo não estava mais sobre o balcão. Onde ele foi parar? Será que aquele garçom o pegou? Meus planos eram de lhe entregar assim que saísse, mas agora que fui descoberto não fazia idéia do que faria. Se eu estivesse enganado e aquele estabelecimento fosse “de bem”, estaria frito. Se eu saísse de repente, sem nem ao menos degustar do meu pedido, levantaria todas as suspeitas daquele cadete. Era uma sinuca de bico.

-Essa cidade piora a cada dia que passa! Não se pode nem lanchar que aparece um mendigo se passando por cliente! – Murmurou o homem em alto e bom tom, para que todos que estivessem no local pudessem ouvir.

Heh, arrogante e mau-criado como o sua pequena fera. O que mais eu poderia esperar de um cadete? Fiz aquilo que ele esperava que eu fizesse: abaixei a cabeça. E assim fiquei quieto na minha, aguardando pelo meu pedido e torcendo para que o meu bilhete estivesse em mãos certas.

E enfim meu pedido chegou. Encarei o prato de aparência nada boa enquanto o atendente falava alguma coisa; dado o nome do pedido era de se imaginar que fosse assim.

-Aqui está o nº 9, desculpe a demora, é que eu ando meio cansado ultimamente, sabe como é, muito trabalho muitos pratos para fazer. Mal posso esperar as 22hs, quando o estabelecimento fecha, para poder descansar... – Bingo! Era tudo que eu precisava saber; minha intuição não estava errada afinal, ali era o lugar que eu procurava. Disfarcei um risinho de satisfação com uma garfada da comida que pedi. Apesar da aparência, o gosto não era nada ruim.

O cadete então voltou a provocar e eu a ignorar. Bradava alguma coisa enquanto eu me limitava a comer. Talvez o que ele estivesse a fim era de um cachorro morto para espancar ou jogar em uma daquelas celas fétidas. Eu não seria esse. Sua postura estava cada vez mais agressiva, já estava difícil manter o controle. Se ao menos eu tivesse um pokémon...

Após terminar de comer, chamei Kiga e o paguei pelo pedido, dirigindo-me logo em seguida até a saída com a cabeça baixa, para evitar qualquer contato visual com o cadete e seu Meowth. Deveria sair dali e retornar apenas quando o estabelecimento estiver fechado.

Após a intervenção de Kiga, o homem finalmente vai embora acompanhado por seu felino, furioso por não encontrar em mim alguém que ele pudesse impor sua força com o apoio da lei. Respirei aliviado, olhando em volta e percebendo que agora estava sozinho com o dono do restaurante. Seria uma chance que não deveria deixar escapar.

– Muito obrigado, Kiga. – Agradeci enquanto caminhava até ele. – Creio que agora podemos conversar sobre aquilo que realmente vim fazer nesse estabelecimento.

O pokémon dorminhoco do dono do local começou a dar sinais de vida, como se estivesse prestando atenção em nossa conversa. Kiga iniciou um discurso, fazendo-me algumas perguntas e falando sobre a ideologia do grupo. Ouvi tudo com atenção, feliz por já ter dado o primeiro passo e agora estar diante de alguém do grupo que tanto procurei.

– Talvez você tenha razão. Não sei se desejo por um mundo como foi antigamente ou se quero algo muito melhor. Não estou aqui por vingança ou por ódio, estou aqui porque penso no próximo, porque não consigo fechar o olho aos problemas em minha volta e ir a um concerto acompanhar uma belíssima apresentação dos Stylists enquanto sei que tudo ao meu redor está podre. Quero me juntar ao grupo, quero convencer os populares que está na hora da revolução. Se tenho que passar em um teste para isso, ótimo; estou disposto a fazê-lo. E não se preocupe, nunca revelaria alguma coisa sobre você ou qualquer outro para um Cadete. – Respondi em tom sério.

Minha mão tremeu ao segurar aquela brilhante esfera vermelha e branca. Não era meu pokémon, verdade, mas eu estava segurando uma vida ali dentro. Quem sabe em breve eu não teria o meu. Quando decidi vir para cá, sabia que o caminho não seria fácil e me sentia preparado para tudo, porém, a missão que aquele homem me dera estava além do que esperava.

Justo, não havia maneira melhor de mostrar meu valor para o clã... Pensava enquanto caminhava pelas ruas de Nyender. Jackson, era esse o nome da minha vítima. Na verdade, seu Meowth que me interessa. Fazer aquilo seria uma boa maneira de dar uma lição naquele cara.

Após ir ao subúrbio encontrar o que queria: um porrete e um saco de farinha, dirigi-me ao centro da cidade, ao local que Kiga indicou que o homem estaria ao anoitecer. Era fim de tarde quando escondi os itens embaixo de um container de lixo que ficava ao lado do enorme prédio da Biblioteca.

Se aquele homem me visse, as coisas se complicariam para mim... Ao menos agora eu tinha a Poochyena comigo. Sem que ninguém percebesse, subi em uma árvore do outro lado da rua, onde permaneci a espreita. As folhas me escondiam bem, tudo que eu tinha que fazer era aguardar a minha presa chegar e uma oportunidade aparecer. Aquele cadete não me pareceu ser alguém muito inteligente ou atento, durante quase todo o almoço ele ficou falando no telefone e nem se importou com o alarde do felino; eu precisaria apenas ter a mesma sorte, um momento que ele se separasse do seu pokémon para agir.

Enquanto estava só o cadete, sentia que meu esconderijo era seguro, porém, ao liberar a sua pequena fera percebi que não teria muito tempo. Aquele pokémon parecia sentir o cheiro de algo errado e não demoraria para me encontrar, podendo alertar seu dono rapidamente e fazer com que meu plano fosse por água abaixo.

Separar os dois talvez não fosse tão fácil como pensei. Quem sabe um confronto direto não fosse o adequado? Porém, no meio daquela rua, onde a qualquer momento um veículo poderia passar, não seria viável desafiar um cadete.

Tive um plano então. Aguardaria que a oportunidade surgisse para liberar Poochyena de sua esfera e pedir para que ela atraísse as duas criaturas para algum beco escuro. Eu o acompanharia logo em seguida e, juntos, combateríamos o Meowth do cadete.

O plano não deu muito certo, parece que o barulho causado por Poochyena não foi suficiente para atrair os dois que acabaram de adentrar em um beco. Desci rapidamente da árvore e fui até o pokémon de Kiga, abaixando-me e fazendo um carinho em sua cabeça.

– Shh! Vamos espiar o que eles estão fazendo naquele beco. Faça o mínimo de barulho possível. – Sussurrei com o pokémon.

Assim, peguei o porrete e o saco que guardei por ali mais cedo e fui adentrando o beco escuro com cuidado. Silencioso como uma sombra, repetia em minha cabeça enquanto lembrava dos roubos que fazia em minha cidade natal.

Ao ver aquela cena, do mesquinho cadete espancando um sujeito indefeso, não tive como não recordar daquele outro desgraçado que circulou por Kalled há alguns anos. O sangue subiu em minha cabeça, sentia a ferida do meu olho começar a doer como se me dissesse para não esquecer daquele que a causou. Minhas mãos se fechavam mais forte no porrete, tudo que tinha que fazer era acertá-lo com um golpe na nuca. Sem o seu treinador, aquele pokémon ficaria indefeso e não poderia chamar por outros cadetes.

Lancei um olhar para Poochyena, esperando que ele entendesse que deveria me cobrir. Assim, lentamente, movi-me até o homem que estava de costas para mim, visando apagá-lo com uma pancada na cabeça.