Marcha para o sul

Lentamente, passo a passo, o jovem gladiador se afastava da rota 1. Rotas tão idênticas, poucas árvores, trilha de terra batida, nada que pudesse parecer atrativo. Tudo parecia calmo, como se nada realmente tivesse acontecido na primeira rota, como se tudo fosse apenas um sonho, mas foi real. O sangue e os ferimentos tornavam real a experiência e frieza do gladiador.

As condições do jovem eram ruins, necessitava de cuidados, de água para lavar as feridas, mas não encontrava nenhum lago ou rio por perto. Alguém com conhecimentos médicos poderia ajudar, mas a rota estava deserta, deserta até demais.

O sol raiava, sendo provavelmente metade da tarde. Por mais que os raios solares tentassem demonstrar seu esplendor, as nuvens insistiam em cobrir o astro rei, uma brisa gélida corria solta, um tanto fúnebre. Havia algo na rota que parecia mais triste e mórbido. O silencio era perturbador. Parecia tão fria e triste como o jovem gladiador.

A brisa se tornava mais forte, o vento parecia sibilar, como se tentasse transmitir alguma mensagem incompreensível. Gabriel sentia um calafrio na espinha, parecia que algo estava errado naquele lugar.

O vento continuava a golpear com suavidade a face pálida, agitando o cabelo loiro e vez ou outra mostrando a cicatriz na testa do gladiador. Como se dissesse para o rapaz dar meia volta e fugir enquanto ainda podia.

Gabriel sentia que algo ruim viria acontecer, apenas quando e como permanecia um mistério. Sentiu medo, tal sensação que muitos debochavam, a palavra “Covarde” era muitas vezes considerada uma ofensa, mas aqueles que recuam, geralmente, não sobrevivem por mais tempo?

Quanto mais caminhava, mais o jovem sentia algo ruim no local. Parecia que o rapaz havia entrado numa história feita para atormentar aqueles que ouvissem. Ao olhar para o lado, Gabriel pode ver árvores completamente queimadas. O sábio seria se afastar, evitar o perigo quando se está ferido, fugir e retornar quando estivesse bem, mas a curiosidade humana e, muitas vezes, despreocupada despertava. O que havia ocorrido? Alguns galhos caídos pareciam conter algumas frutas ainda inteiras, enquanto outras estavam queimadas.

A atmosfera parecia cada vez mais pesada, nuvens começavam a se acumular no céu, as árvores queimadas e um pequeno rastro de destruição. Aquilo fazia o gladiador ter pequenos vislumbres do dia fatídico, quando viu tudo o que conhecia ser reduzido a cinzas, quando sua família foi reduzida a uma amiga e uma eevee.

Parecia que o destino pregava uma brincadeira de mau gosto. Sentimentos e sensações ruins surgiam, deixando o coração antes petrificado aflito. O que poderia estar acontecendo? A resposta poderia ser pior que o imaginando, ou quem sabe mais manso e brando. Única forma de saber era investigar e enfrentar.

Apesar das frutas despertarem o interesse, mas a situação macabra o fez não ir até o alimento fácil. Fugir não era uma opção para o gladiador, continuando sua caminhada lenta, enfrentaria o perigo se este cruzasse seu caminho, arriscaria sua vida, mas não desistiria de sua jornada.

Por alguns breves instantes, um berro agonizante pode ser ouvido. Parecia o grito desesperado de algum pokémon familiar a Gabriel, talvez um eevee? Seguido do som perturbador, um sonoro “Não”, soando desesperado e aflito. O gladiador podia identificar a direção, deveria se arriscar e ver o que ocorria?

A angustia se tornava crescente, um sentimento ruim se tornava forte, sendo impossível ignorar. Os pés do jovem vacilaram, fazendo-o cair de joelhos brevemente. A mente confusa, aflição e desespero se alastrando sem permissão em seu ser, a sombra do passado vinha para atormentar o gladiador.

Logo Gabriel pensava nas possibilidades, as chances eram pequenas, mas a possibilidade o fez se mover depressa em direção ao grito. Nada mais importava naquele momento. Se fosse perigoso ou uma armadilha, não tinha importância, mas as chances de reencontro revivia um pequeno raio de esperança no loiro.

A corrida durava alguns minutos, as feridas se tornavam mais doloridas, devido o movimento rápido e esforço exigido. Gabriel sentia um pouco de fadiga. Rastros de uma batalha violenta eram vistos e seguidos. Cada passo se tornava torturante. O silencio veio. Nenhum grito, nem mesmo o vento parecia ser presente, único som eram os passos apressados do gladiador. O rastro de destruição seguia em frente, algumas gotas de sangue estavam no chão, assustadoramente recente.

Tanto tempo sem algum tipo de sentimento. Tanto tempo que não escorria uma única lagrima de seus olhos. Tanto tempo sem se importar. Os poucos pilares que restavam, mantendo o resquício de esperança de um reencontro feliz, começavam a ruir.

As lagrimas deixavam a visão do gladiador embaçada. Seu abrigo, que o protegia de se ferir novamente perante as crueldades do mundo, era quebrado, reduzido a cinzas em poucos instantes. Uma jovem ferida, talvez fosse alguém apenas semelhante, sem nenhuma ligação com Iris, mas aquela visão criava uma ferida profunda na alma de Gabriel. Custaria um longo tempo para sarar, se algum dia realmente ele fosse capaz de esquecer a imagem em sua frente.

Uma vida inteira de sofrimentos parecia ser o caminho que havia sido reservado para o loiro. Corpo, alma, coração, tudo ferido, os dois últimos correndo risco de se despedaçarem completamente.

-Nyan... Nem comecei e gatinho já ta assustado?

Novamente a voz se fazia presente, seguida de uma risada histérica. O pokémon de fogo logo era liberto, ficando confuso e até assustado com tudo que havia ali. Os dois corpos ali caídos, seu treinador chorando, uma risada histérica. A pequena ave estava perdida, sem saber o que fazer, quase se engasgando com as duas berrys que eram enfiadas em seu bico.

A situação era delicada. Um jovem ferido, uma eevee muito provavelmente morta, uma jovem que, com sorte, estaria por um fio, um torchic assustado e, para finalizar, uma mulher provavelmente louca e assassina, que parecia se divertir com aquilo. Falar se tornava difícil para Gabriel.

Torchic obedecia aos comandos, aumentando as chances de um golpe critico e procurando o inimigo, preparando um ember em seu bico, mas não veio ninguém. O gladiador logo tentava enfaixar as feridas da jovem, ouvindo um pequeno gemido de dor vindo dela no momento que a moveu. Costas e pernas estavam queimados, sinais de mordidas pelos membros, uma mancha roxa num dos braços sinalizando um possível envenenamento. Estava viva, mas era difícil dizer por quanto tempo.

-Um pintinho foi batalhar, no meio da floresta para brincar. O treinador mandou “Atacar” e o pintinho foi devorado!

A voz misteriosa agora cantarolava. A canção deixou torchic claramente perturbado e assustado.

A voz continuava presente, tentando atormentar o jovem que optou por ignorar. Pela primeira vez confiava totalmente em seu pokémon de fogo que se mantinha atento. Se o pintinho se mantinha presente por coragem, ou por saber que fugir poderia acabar em morte, Gabriel não sabia, mas se focava em sua tarefa.

O gemido de dor da jovem aliviava um pouco o pânico. Um sinal frágil de vida, mas que se tornava cada vez mais fraco. A pele da loira estava fria como a de um cadáver, as feridas mais graves agora estavam enfaixadas, impedindo que continuasse sangrando excessivamente. Esperança aos poucos tomava seu lugar, apesar de não afugentar o temor. O loiro tentava tirar o máximo de veneno possível do corpo da garota, cuspindo-o em seguida, sentindo um gosto metálico, mas ao mesmo tempo amargo na boca.

O jovem sentia-se mais revigorado, tinha um motivo para lutar. Iria manter a garota viva custe o que custasse, venceria a batalha, mas antes que pudesse voltar a cuidar da garota inconsciente, um som estranho vinha de alguns arbustos mais próximos do gladiador. Quando este se virou, uma ekans saltava em sua direção, mirando um bite bem no pescoço do jovem. A surpresa foi eminente, um golpe naquela região poderia ser grave, mas o pokémon pintinho saltava na direção da mesma, se colocando na frente e levando o golpe no lugar do gladiador, recebendo danos, mas aproveitava a distancia e usava um ember, causando dano critico graças ao focus energy usado anteriormente.

Tudo ocorreu rápido demais, mas parecia acontecer em câmera lenta aos olhos do jovem gladiador. A serpente se afastava devido o calor, observando torchic como se este fosse sua próxima refeição. O olhar de uma predadora avaliando sua presa, como se estivesse se perguntando qual era o gosto, assustando o pokémon fogo. O pintinho usava growl, como ordenado, porém a serpente revidava lançando um jato arroxeado na direção do oponente, sendo toxic! Avançava rápido, o pequeno pokémon tinha chances de desviar, mas se o fizesse, Gabriel e a jovem poderiam ser atingidos pelo jato tóxico.

O rapaz era obrigado a pensar rápido, sem tempo de pensar nas possibilidades e riscos. Nem um segundo era poupado do rapaz, sendo exigido cada vez mais de suas capacidades. Torchic desviava do jato roxo e liquido que se encontrava com a sacola onde continha uma camisa suja de sangue. Aquilo funcionava. O peso do tecido ajudava a desviar o golpe, ficando uma pequena poça de veneno naquele lugar.

Ekans não ficou muito feliz com o ocorrido, demonstrando isso pelo olhar irritado. A serpente logo ia para abaixo do solo, abrindo um buraco com velocidade no chão, se escondendo temporariamente. A voz misteriosa voltava a cantarolar, de forma macabra uma música triste.

Get up
Levante
Come on
Vamos
Why you scared?
Por que você está assustado?
You'll never change what's been and gone
Você nunca mudará o que aconteceu e passou

O real objetivo das palavras? Não tinha como saber. Talvez ela apenas cantarolasse sem razão aparente, talvez tentasse perturbar o gladiador. Provavelmente ninguém saberia ao certo o que se passava na mente da mulher.

O pokémon fogo tentava encontrar a oponente, quando esta ressurge atrás dele, saltando em sua direção e o envolvendo com o corpo esguio, começando a esmagar o pintinho. Torchic usou ember no corpo da oponente, tentando forçá-la a soltar, mas apesar da dor, a cobra não parecia disposta a soltar seu “jantar”. Torchic usou mais um ember, este acertando algumas folhas das árvores, mas a mira prejudicada pelo aperto o fez errar parcialmente as chamas, acertando folhas de outra árvore próxima, ainda verde e próxima de um grupo de árvores. Havia um risco de as chamas se espalharem.

A canção perturbava o gladiador que havia chegado à conclusão que sua oponente era uma homicida cruel com distúrbios mentais. O loiro temeu acabar se tornando igual à desconhecida, um assassino que enlouqueceu. Seu coração suportaria caso seu maior medo se realizasse?

Gotas de suor escorriam pela face e pescoço de Gabriel. Já tinha que se preocupar com a garota desmaiada, com uma maluca psicopata, agora provavelmente com um possível incêndio florestal. O nervosismo atrapalhava, eram preocupações demais para apenas um momento, a única coisa que restava para motivá-lo corria risco de vida. Com alguma confiança, o gladiador formava uma estratégia, colocando-a em pratica.

Ekans usou bite no pequeno pintinho que ainda sofria com wrap, mas isso não o impediu de usar ember para o alto, fazendo uma espécie de “chuva” de brasas que atingiam ekans, ferindo-a. Torchic usou ember novamente, acertando a oponente de forma certeira, causando mais danos, finalmente sendo liberto do abraço mortal da pokémon venenosa.

-Eeeeeeeee, chuva de fogo!!! Rebate com chuva roxa!!!!

A louca dizia tão alegre, como se fosse uma criança numa manhã de natal que ganhou o presente que tanto queria. A ekans lançou toxic para o alto, imitando seu oponente, formando uma chuva roxa que atingia o pequeno pintinho que agora estava envenenado.

A loira respirava, o que era um alivio, mas o fazia com grande dificuldade. Havia queimaduras e cortes em sua face. O corpo parecia amolecer cada vez mais, se tornando mais frágil e fraco. A garota estava em uma situação ruim, precisando de cuidados médicos o mais rápido possível.

Aquela batalha virou uma corrida contra o tempo para Gabriel. Um golpe potencialmente mortal atingia seu pokémon. O temido toxic era um ataque que merecia respeito, potencialmente perigoso e letal, não era um golpe para iniciantes.

O gladiador tentava animar seu pokémon, que ficava confuso com as reações do mesmo, estava tão diferente do costume, mas sabiamente se concentrava na batalha. Muita coisa estava e jogo. Perder resultaria em mortes. O pequeno pintinho usou ember, acertando a oponente que novamente se escondeu no subsolo.

Torchic tentava encontrar a adversária, que surgia logo na frente dele, usando bite, atingindo seu alvo que reagia com ember. O pokémon fogo sofria com o envenenamento que se agravava. O rapaz começava a se esgotar, tanto fisicamente quanto emocionalmente. O sacrifício de manter a garota com vida era imenso. As feridas sangravam. Vasculhava a bolsa da jovem, encontrando apenas itens vazios, já usados provavelmente na luta que ocorreu antes.

A tortura parecia chegar ao seu final. O combate parecia se encerrar em breve. A serpente queimada. O pintinho mordido e envenenado. Era difícil dizer quem estava em piores situações. Cada segundo devia ser bem aproveitado.

A luta seguia bem, por mais que fosse complicada. A habilidade de usar o solo para se ocultar iria incomodar mais uma vez o jovem gladiador. Ekans novamente encavava, querendo se proteger de possíveis golpes. Era esperta e ardilosa. Não demoraria para um ser derrotado. A vantagem de Gabriel era a fraqueza de seu pokémon, que ativava sua habilidade.

O pintinho aguardava a oponente, pronto para lançar suas brasas na serpente, mas esta surgia do solo atrás dele, usando bite. Tentou se ocultar novamente no solo, mas torchic foi mais rápido e a atingiu com suas chamas, sofrendo com o veneno logo em seguida. A ekans tentou se manter em pé, mas logo caiu. Estava nocauteada.

A figura misteriosa finalmente se revelava, uma mulher ruiva de penteado estranho, maquiagem borrada e mal-feita, trajes extravagantes e horrendos. Era uma visão péssima. Ela retornava a serpente, mantendo um olhar paranoico.

-Nyan nyan assustado... Um dia vou brincar com você de novo. Fofinha vai estar ansiosa por isso! Eeeeeeeeeeeeeeee.

Ela dizia alegre, uma kirlia surgia ao seu lado, usando teleport e ambas fugiam do lugar. Tudo estava deserto. A garota começava a murmurar algumas coisas, parecia delirar, esticando os dedos na direção de alguns arbustos ainda intactos. Acabou desmaiando em seguida.

Depois do sofrimento e sufoco, um pouco de paz. Tudo poderia permanecer em paz agora aparentemente. A serpente venenosa e astuta foi derrotada por torchic, que estava sentado no chão exausto. Apesar das ultimas palavras da desconhecida causarem calafrios no rapaz, ele podia respirar mais calmo agora que ela se foi.

O pokémon fogo era retornado para um descanso merecido, havia se esforçado muito nas ultimas lutas. Não demorou para Gabriel encontrar a pokébola da eevee, embora um pouco relutante, tentou retorná-la, tendo êxito nisso. Talvez ainda houvesse esperança para a pequena pokémon. Logo após retornar os pokémons, o gladiador foi verificar o que havia nos arbustos, surpreendendo-se com o que via.

Em meio as folhas, parecia que alguém antes o carregava, caindo e deixando-o cair. Um ovo de pokémon! Parecia frágil, mas intacto. Ainda estava quente, indicando que ainda estava vivo. Talvez a jovem estivesse tentando proteger o ser que ainda estava para nascer.

Gabriel iria acolher o pequeno ovo?