02: O Stylist faminto

Há muitos anos que não tinha uma tarde tão conturbada como aquela, mas valeu a pena. Mesmo com certa dor na região tatuada, agora eu tinha a tão cobiçada licença de cadete. O pokémon que escolhi foi o Cyndaquill, pois acabei me encantando com seu jeitinho dócil e fofo. O pokémon de fogo descansava em minha cabeça enquanto eu caminhava pelas ruas de Nyender, pensando em qual seria o próximo destino. A todo tempo falava com ele sobre o que faríamos daqui pra frente, contando com empolgação sobre a vida de Stylist. Ele respondia com alguns grunhidos que me soavam como empolgação.

Passei muito tempo naquele prédio, já era finalzinho de tarde e eu estava cansado e faminto. Resolvi descansar embaixo de um dos vários Ipês espalhados pela praça, encostando minhas costas em seu tronco e segurando o meu pokémon no colo enquanto pétalas rosas se desprendiam e eram carregadas pela brisa agradável.

– E então, Cyndaquill, posso mesmo contar com você para alcançar o topo da carreira artística? – Perguntei; o pokémon de fogo saltou alegremente. – Ótimo, parece que partilhamos da mesma vontade.

De repente, senti algo estremecer dentro de mim, era minha barriga que começava a reclamar da fome. Cyndaquill me encarou com curiosidade, dei um risinho forçado para ele, visando tranquilizá-lo. Estava com pouco dinheiro e nem tinha mais os lanches que roubei quando fugi de casa.

Estava acostumado com o clima tranquilo de uma área rural, onde as pessoas conversavam e relaxavam no lugar que queriam. Pelo visto, ali, aquilo não era bem visto. Um cadete, de novo eles, veio pedir para que eu me retirasse de onde estava. De uma forma nada educada, claro. Levantei e, sem falar nada, sai dali com meu pokémon sobre a cabeça.

Meu pai é um grande fã dos cadetes, sempre o ouvi vangloriando os feitos desses “homens que defendem o povo”. Quando soube que eu pesquisava sobre pokémons, logo disse que se fosse pra eu ter contato com estes, deveria ser servindo o nosso povo, ou seja, como cadete. Pensando bem, até mesmo eu tinha um certo fascínio por essa classe... Mas isso estava mudando a cada minuto que eu permanecia naquela cidade.

O centro comercial de Nyender era incrível. Eu caminhava exuberante entre o povo, adorando exibir o meu pokémon recém-ganho para qualquer um que passasse, não esfregando a tatuagem na cara deles porque fui orientado a não expor muito a região tatuada ao sol nesses primeiros dias. Agora eu era um Stylist e queria compartilhar essa alegria com o mundo.

Um Stylist, sim, mas com fome. Parei para observar algumas barracas de lanches de ambulantes. Tinha doces, salgados, tortas e etc. Era possível sentir também o cheiro de pão vindo de uma provável padaria mais a frente.

– A gente poderia fazer uma apresentação para ganhar dinheiro ou algo do tipo, não é Cyndaquil? – Perguntei, mas o pokémon emitiu um grunhido confuso, nada animado com a idéia. – É verdade, você não tem muitos golpes para fazer combinações impressionantes agora... – Conclui, desanimado. A tarde logo chegaria ao fim, se ao menos alguém estivesse precisando de alguma ajuda com algo em troca de comida...

Arfei, voltando a caminhar para qualquer lugar em passos lentos.

Apesar de gostar dos homens da lei, aos poucos suas opiniões começam a serem moldadas. O garoto continuava a caminhar, a passos lentos pela gigante cidade e apesar de ter sido praticamente expulso da praça, continuou alegre, mas faminto.

Na tentativa de arranjar algum dinheiro, Vincenzo sugere a realização de uma apresentação, mas acaba lembrando que não possuí muitas combinações, quem sabe num futuro próximo.

Já desanimado, duas garotas passam por ele, rindo e conversando. Inevitavelmente ele acaba escutando um pedaço da conversa.

- Eu adoro a comida do Kiga, é tão boa e ele tão fofinho! - Disse a primeira garota
- É um show ver ele cozinhando, sem duvidas é o meu restaurante preferido. - Disse a outra.

Logo, as garotas já haviam sumido na multidão, porém algumas palavras ficaram pairando sobre o Stylist. "Comida", "Cozinhando", "Restaurante".

Após ouvir algumas garotas falando sobre um tal restaurante de Kiga, optei por averiguar. As moças falavam com tanta empolgação, quem sabe não descolasse algo por lá. Perguntei algumas pessoas como chegar até lá. A maioria, encantada com o pequeno Cyndaquil em minha cabeça, respondia com educação, principalmente as mulheres, que achavam o meu pokémon de fogo bastante fofo.

Cheguei ao tal lugar, que não era tão glamoroso como achei que seria, e me aproximei da bancada. O homem, ao me ver, projetou-se em minha frente e pôs-se a falar:

- Bom dia meu querido cliente. O que gostaria para o almoço? Ah, não! A comida está queimando! Oi, voltei. Desculpe o inconveniente. Aqui está o cardápio. Opa, já volto. Não vá embora não, está quase pronto seu prato senhor... Perdi mais um. Que dia triste. Mas você irá sair daqui satisfeito, eu prometo. Então, vai pedir o que? Lhe recomendo o número 1, a especialidade da casa. O pedido 9 é meio forte, somente para os corajosos. Então, vai querer o quê?

– Oh. O que você tem de mais barato para oferecer? – Respondi com certa timidez e ar de coitado.

Olhei para o lado e vi um adorável Poochyena, o que acabou me alegrando mais um pouco.

De repente, um homem aproximou-se da gente. Enquanto caminhava, logo percebi que seria encrenca. E eu estava certo: o sujeito empurrou o dono do estabelecimento, derrubando-o. Ao falar, o bafo insuportável de álcool logo tomou conta do ar. Outro bêbado que eu topava no dia.

Para minha surpresa, o infeliz sacou uma pokéball e, de dentro dela, um estranho pokémon fora projetado. Era um Drowzee. Todos os outros clientes estavam horrorizados com a cena e eu também, mas agora eu.tinha.um.pokémon. Deixei escapar um sorriso de canto de boca e logo levantei da cadeira, correndo e me pondo em frente do restaurante.

– Ei seu moço. O que pensa que está fazendo? Seus pais não o ensinaram a ter modos de gente? – Perguntei como se eu fosse um dos homens da lei. Enquanto isso, Cyndaquil permanecia colocado em minha cabeça.

Depois me virei rapidamente para Kiga, oferecendo a mão para ajudá-lo a levantar.

– O senhor está bem?

Cássio, então era esse o nome da peste. Um homem assustador, verdade, mas, como diria meu pai, cara feia pra mim é fome... E dado o ambiente que nos encontrávamos, o velho ditado bem fazia sentido. Ele não hesitaria em acabar com minha raça e, tendo em vista o seu tamanho e o meu porte franzino, é bem provável que consiga.

- Só peço para que você se acalme e respeite as pessoas que estão aqui. – Respondi a provocação do mesmo. – Pode ser? Caso contrário, serei obrigado a me intrometer sim. Não reparou? Tenho um pokémon. – indaguei, apontando com a cabeça para o meu Cyndaquil, que eu esperava que me defendesse – Ganhei dos cadetes e acho que, embora não seja meu dever, não posso ficar inerte enquanto o moço destrata as pessoas. Não enquanto não aparecer um cadete por aqui.

Talvez estivesse sendo impulsivo demais e aquilo terminaria mal para nós dois. Olhei de relance pro pokémon do sujeito, nada amigável, o que me fazia perguntar qual dos dois era mais assustador.